Por Joel Elias*

A exploração mineral ilegal atingiu níveis alarmantes no Brasil, com crescimento desproporcional em relação à mineração regulamentada. Dados científicos publicados na renomada revista científica Nature revelam um cenário preocupante: entre 2019 e 2022, o garimpo ilegal cresceu impressionantes 1.200%, enquanto a mineração industrial aumentou apenas cinco vezes no mesmo período. Os números são reveladores: de uma atividade que ocupava 218 quilômetros quadrados em 1985, o garimpo ilegal passou a cobrir 2.627 quilômetros quadrados em 2022, superando a área da mineração industrial, que alcançou 1.800 quilômetros quadrados.
Mais grave ainda é a constatação de que 91% dessa atividade ilegal concentra-se na Amazônia, bioma crucial para a regulação climática global e repositório de biodiversidade incalculável. Esta escalada descontrolada representa não apenas uma violação às leis ambientais e minerárias do país, mas também uma ameaça à soberania nacional sobre recursos estratégicos, além de um desafio complexo para as autoridades responsáveis pela fiscalização e controle territorial. A rapidez com que o garimpo ilegal se expande sugere a existência de redes organizadas com capacidade logística e financeira substancial, o que adiciona camadas de complexidade ao enfrentamento do problema.
O avanço ocorre principalmente sobre áreas protegidas, configurando uma crise humanitária e ambiental de proporções alarmantes com repercussões que ultrapassam fronteiras. Dados do estudo mostram que 62% das áreas com atividade recente (cinco anos ou menos) estão dentro de terras indígenas, onde a legislação brasileira proíbe esse tipo de intervenção. Três povos concentram 90% dessa mineração ilegal e sofrem uma dupla pressão: a contaminação ambiental, que afeta sua saúde e modo de vida tradicional, e a presença de redes criminosas que se estabelecem na região, trazendo consigo violência, exploração sexual, tráfico de drogas e armas.
A contaminação por mercúrio, elemento intensamente utilizado na extração ilegal de ouro, provoca danos neurológicos irreversíveis, especialmente em crianças e gestantes, e contamina a cadeia alimentar através dos peixes, base da alimentação dessas comunidades. Os impactos vão além dos territórios indígenas, afetando cidades próximas e até mesmo nações vizinhas, uma vez que os rios não reconhecem fronteiras políticas e carregam os contaminantes por longas distâncias, comprometendo a qualidade da água e a biodiversidade aquática em uma escala regional. A transformação da paisagem natural também provoca alterações nos ciclos hidrológicos, aumentando a erosão, o assoreamento de rios e a frequência de inundações, fatores que multiplicam os prejuízos econômicos e sociais.
É necessário reconhecer os esforços institucionais, como os da Agência Nacional de Mineração, que afirma não dar prosseguimento a requerimentos de permissões em áreas protegidas. Porém, os números evidenciam a insuficiência dessas medidas frente à magnitude do problema. A relevância do estudo está justamente em quantificar e mapear esse fenômeno com precisão científica, utilizando imagens de satélite e tecnologia avançada. Essa contribuição é fundamental para embasar políticas públicas eficazes. O garimpo ilegal não é apenas uma questão ambiental, mas um problema complexo que envolve saúde pública, direitos indígenas, segurança nacional e governança territorial.
O Estado brasileiro enfrenta o desafio de equilibrar o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental e o respeito às comunidades tradicionais. A dimensão econômica não pode ser ignorada: o ouro extraído ilegalmente movimenta bilhões de reais anualmente, desviados da economia formal, o que representa uma perda significativa em arrecadação tributária que poderia financiar serviços públicos essenciais. A lavagem do ouro ilegal através de documentos fraudulentos e empresas de fachada cria um circuito perverso que conecta a destruição ambiental na Amazônia aos centros financeiros nacionais e internacionais, envolvendo atores insuspeitos e revestindo o crime ambiental com uma fachada de legalidade que dificulta seu rastreamento e punição.
É urgente o fortalecimento da fiscalização, a implementação de tecnologias de monitoramento em tempo real, a responsabilização efetiva dos infratores e a criação de alternativas econômicas sustentáveis para populações vulneráveis. Somente com uma abordagem integrada, que inclua todos os níveis de governo e a sociedade civil, será possível reverter essa tendência e garantir que a riqueza mineral brasileira contribua para o desenvolvimento sustentável, e não para a degradação ambiental e social. O setor privado, especialmente o financeiro e o de joalherias, tem um papel crucial na implementação de políticas de rastreabilidade que garantam a origem legal dos minérios comercializados.
A cooperação internacional também se mostra indispensável, tanto para compartilhamento de tecnologias e inteligência quanto para o fechamento de rotas de escoamento do mineral contrabandeado. A regulamentação dos mercados consumidores internacionais, com a exigência de certificados de origem, pode criar barreiras econômicas significativas para o produto ilegal. A educação ambiental e a valorização do conhecimento tradicional indígena sobre gestão territorial sustentável representam elementos complementares fundamentais para uma mudança cultural que reconheça o valor intrínseco da floresta em pé e dos rios limpos, não apenas como recursos a serem explorados, mas como patrimônio natural insubstituível para as gerações presentes e futuras.
A pesquisa também mostra que a sociedade brasileira encontra-se diante de uma encruzilhada histórica que exigirá escolhas difíceis, mas necessárias. O modelo predatório de exploração mineral não apenas compromete o futuro das próximas gerações, mas também mancha a imagem internacional do país e ameaça acordos comerciais estratégicos. Precisamos encarar essa questão como prioridade nacional, promovendo um pacto intersetorial que envolva governo, setor privado, academia e comunidades locais. O Brasil possui todos os elementos para tornar-se referência mundial em mineração sustentável — temos a tecnologia, o conhecimento científico e o arcabouço legal. Falta, agora, a determinação política para fazer valer a lei e o compromisso coletivo para transformar a relação do país com seus recursos naturais.
O caminho da sustentabilidade não é uma opção ideológica, mas uma necessidade econômica e existencial. A ciência demonstra inequivocamente que os ecossistemas amazônicos estão próximos de um ponto de não retorno, após o qual a degradação se tornará autossustentada e irreversível. Cada hectare desmatado, cada rio contaminado, cada espécie extinta representa uma perda incalculável de potencial biotecnológico e farmacêutico, além dos serviços ecossistêmicos essenciais para a agricultura, o abastecimento hídrico e a estabilidade climática. O legado que deixaremos para o futuro está sendo definido agora, nas decisões cotidianas sobre fiscalização, punição, incentivos econômicos e valorização cultural. A história cobrará de nossa geração a responsabilidade pelas escolhas feitas — ou negligenciadas — neste momento crítico para a Amazônia e para o Brasil.
*Joel Elias é jornalista atuante na Amazônia brasileira. Pode ser contatado pelo joeliasd63@gmail.com
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