Agroecologia atrai e mantém jovens no campo
- Solano Ferreira
- 2 de abr.
- 4 min de leitura
Quando se fala de Amazônia e agropecuária, geralmente as notícias são sobre desmatamento e o avanço da soja e da pecuária sobre a floresta. Ou sobre ribeirinhos, comunidades tradicionais e indígenas. Mas é em plena Amazônia que um jovem da terceira geração de agricultores familiares está liderando uma revolução na propriedade dos pais – um exemplo de como práticas mais sustentáveis, alinhadas aos desafios produtivos do século 21, atraem e retêm as novas gerações no campo.

A história da família de Willians Santana não é diferente da de muitos outros pequenos produtores. Seus avós e pais trabalhavam na propriedade de terceiros até que, com muito custo, conseguiram adquirir a própria terra no município de São Miguel do Guaporé dez anos atrás – uma gleba sem acesso a estradas e sem energia elétrica. Diferente é o rumo que ela seguiu. Contrariando a tendência de êxodo rural que persiste no Brasil, onde apenas 12% da população vivia no campo em 2022 (contra 18,8% em 2000), Wilians abandonou a possibilidade de emprego na cidade, apesar de ser formado em contabilidade, para dar continuidade – e melhorar – a tradição da família.
O que fez a diferença foi a possibilidade de adotar técnicas mais responsáveis de produção – inúmeras das quais ecoam práticas de seus pais e avós – com apoio técnico especializado. O quintal produtivo, onde cultiva abacaxi, banana, mandioca, abóbora, cheiro verde, cupuaçu e maracujá, entre outros, reflete a antiga prática de diversificar a produção para garantir a segurança alimentar. A diferença agora é que Willians se preocupa também com a qualidade nutricional dos alimentos, e não só a produtividade. Para isso, passou a adotar práticas orgânicas. E já está colhendo resultados também na contabilidade da lavoura. “O insumo mais caro que pagamos para o cultivo do maracujá custou 60 reais o litro, enquanto alguns vizinhos estavam gastando de 500 a 600 reais o litro dos produtos químicos”, destaca Willians, que atualmente tem 27 anos.
A transformação da propriedade da família não envolveu apenas a busca por conhecimento, conduzida por Willians, mas também o diálogo com seus pais, que participam ativamente das decisões. Essa integração entre gerações está permitindo resgatar o que é tradicional na agricultura familiar sem deixar de usar tecnologia. O apoio técnico veio do projeto Terra e Mata, da Ecoporé, que atua na região, e permitiu o adensamento do quintal produtivo e a implantação de um sistema agroflorestal com frutíferas, nativas e cafeicultura. Agora, Willians está trabalhando na recuperação das áreas degradadas com muvuca de sementes: “semente na terra é vida que nasce”, comemora.
A opção pelo reflorestamento visa garantir a segurança hídrica da propriedade, além de proteger as plantas das altas temperaturas. “Estamos saindo da fase da seca, com muito calor, e deu para ver a diferença onde introduzimos o SAF e o reflorestamento”, explica. “Por serem áreas sombreadas, a temperatura é bem mais amena e esse equilíbrio do ecossistema faz diferença”, detalha.
Práticas mais sustentáveis e a opção pela agroecologia fazem com que Willians e sua família se orgulhem dos alimentos que produzem para consumo próprio, para a alimentação escolar da região e para a comunidade: “produzir de forma mais sustentável é garantir alimentos melhores”, sintetiza. “A agricultura familiar é a base da alimentação e a base do cuidado com nossa casa comum”, conclui.
Por isso, ele decidiu participar de uma campanha inédita no Brasil. “Mãos da Transição” visa sensibilizar produtores com menos de 30 anos a adotarem práticas produtivas responsáveis, que fortaleçam e dêem continuidade aos negócios de suas famílias ao mesmo tempo em que respondem aos novos desafios do século 21. Criada pela Purpose, agência de causas, ela engloba treinamentos, cartilhas e ações de divulgação na internet e redes sociais, que são os meios de comunicação mais acessados por jovens, incluindo um vídeo no qual Willians conta sua história.
Preferência pela agroecologia
Relatório de Indicadores 2023/2024 do projeto “Agroecologia na América Latina: construindo caminho”, que vem sendo desenvolvido desde 2020 por 10 organizações sociais em parceria com pesquisadores/as e famílias agricultoras em sete países latino- americanos, mostrou que mais da metade (55,6%) das unidades agrícolas que adotaram a agroecologia contam com a presença de jovens entre 14 e 29 anos. Questionados sobre seu interesse em seguir ou não na agricultura agroecológica, a grande maioria desses jovens (70,4%) indicou estar interessada. Um detalhe interessante da pesquisa: ao examinar a relação entre o grau de autonomia financeira dos/as jovens e seu interesse em continuar na agroecologia, observou-se que quanto maior a autonomia financeira, maior é o interesse em permanecer trabalhando com agroecologia.
Segundo as Nações Unidas, mais de 90% das 570 milhões das propriedades rurais em todo o mundo são geridas por um indivíduo ou por uma família e dependem principalmente do trabalho familiar. A grande maioria dessas propriedades são pequenas ou muito pequenas: 84% têm menos de 2 hectares, ocupando apenas 12% de todas as terras agrícolas. Apesar disso, são as propriedades rurais familiares que produzem mais de 80% dos alimentos do mundo em termos de valor, confirmando a importância central da agricultura familiar para a segurança alimentar.
A experiência de Willians e sua família contrasta com a história recente do estado de Rondônia. Em 1985, 99,5% do território do estado era coberto por vegetação nativa; em 2023, esse percentual caiu para 75,9%. Quase 25%, ou cerca de 180 mil hectares, agora são ocupados por pastagens (mais de 164 mil hectares) e agricultura (pouco mais de 15 mil hectares). Estes dados do MapBiomas ajudam a entender o temor de Willians de que a propriedade de seus seja cercada pela cultura tradiciona
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