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O Espetáculo da Alienação: Trump, Musk e a Política como Performance

  • Foto do escritor: Solano Ferreira
    Solano Ferreira
  • 9 de jun.
  • 5 min de leitura

Por Joel Elias

DRT-AP: 138

O recente rompimento entre Donald Trump e Elon Musk revela, de forma cristalina, o teatro grotesco em que se transformou a política contemporânea. A troca de acusações públicas nas redes sociais, onde Musk acusou Trump de estar nos "arquivos de Epstein" e Trump respondeu ameaçando revogar contratos bilionários com as empresas do empresário, não é apenas mais um capítulo de uma disputa entre poderosos, mas um sintoma agudo da alienação política que caracteriza nosso tempo. Quando dois dos homens mais influentes do planeta transformam questões sérias em espetáculo midiático, estamos diante de uma manifestação concreta daquilo que Guy Debord identificou como a "sociedade do espetáculo", onde a realidade social é completamente mediada por imagens e representações que obscurecem as verdadeiras relações de poder.


A alienação política, conceito fundamental desenvolvido por Karl Marx em suas análises sobre a sociedade capitalista, encontra em Trump e Musk suas expressões mais emblemáticas. Marx argumentava que a alienação não se limita apenas ao âmbito do trabalho, mas permeia todas as esferas da vida social, incluindo a política. Trump e Musk são, paradoxalmente, produtos e produtores dessa alienação. Ambos emergiram como figuras políticas precisamente porque conseguiram capitalizar sobre o descontentamento popular com as instituições tradicionais, apresentando-se como outsiders anti-sistema, ou seja, como tivessem vindas “de fora” do sistema político tradicional e que são contra as estruturas de poder estabelecidas. No entanto, suas trajetórias demonstram como essa aparente ruptura com o sistema na verdade fortalece as estruturas de dominação existentes. Trump, um magnata imobiliário que se apresentou como voz do povo trabalhador, e Musk, o homem mais rico do mundo que se posiciona como revolucionário tecnológico, exemplificam perfeitamente o que Marx chamou de falsa consciência — uma percepção distorcida da realidade que serve aos interesses das classes dominantes.


A atual disputa já provocou perdas de mais de US$ 4 trilhões nas bolsas americanas, revelando como o capricho pessoal de dois indivíduos pode afetar a vida de milhões de pessoas. Herbert Marcuse, em sua análise da sociedade unidimensional, oferece-nos uma chave interpretativa crucial para compreender esse fenômeno. Marcuse identificou como as sociedades industriais avançadas desenvolvem mecanismos sofisticados de controle social que operam não através da repressão direta, mas pela integração dos indivíduos em um sistema de necessidades e satisfações artificialmente criadas. Trump e Musk funcionam como válvulas de escape dessa sociedade unidimensional, canalizando a energia política que poderia ser direcionada para a transformação social em disputas personalísticas que não ameaçam a ordem estabelecida. Suas brigas públicas permitem que as tensões sociais sejam descarregadas em conflitos simbólicos, mantendo intactas as relações fundamentais de dominação econômica.


A dimensão espetacular dessa alienação torna-se ainda mais evidente quando consideramos como essa disputa é amplificada e consumida nas redes sociais. A repercussão internacional, com capas de jornais fazendo trocadilhos com o nome da rede social X, demonstra como Guy Debord havia antecipado esse fenômeno ao afirmar que “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. O que presenciamos não é apenas o consumo passivo de um conflito entre personalidades, mas a participação ativa dos indivíduos em sua própria alienação. Cada compartilhamento, cada meme sobre a briga Trump-Musk, cada tomada de posição nessa querela contribui para a manutenção de um sistema onde questões como desigualdade social, concentração de renda, degradação ambiental e erosão democrática permanecem invisibilizadas.


Theodor Adorno e Max Horkheimer, em sua análise da indústria cultural, já haviam demonstrado como os produtos culturais de massa funcionam como instrumentos de dominação ideológica. A transformação da política em entretenimento através das figuras de Trump e Musk segue exatamente a mesma lógica: conflitos complexos são simplificados em narrativas de fácil consumo, onde o público é convidado a escolher lados sem questionar as premissas fundamentais do jogo. A acusação de Musk de que Trump estaria envolvido nos escândalos sexuais de Jeffrey Epstein exemplifica perfeitamente essa dinâmica - uma questão séria sobre abuso de poder é reduzida a munição em uma guerra de egos, perdendo completamente seu potencial transformador e sendo consumida como mais um episódio do reality show político contemporâneo.


Trump e Musk representam dois arquétipos fundamentais da alienação política contemporânea. Trump encarna o que Antonio Gramsci identificou como o “cesarismo” — um fenômeno onde, em momentos de crise hegemônica, surgem figuras carismáticas que prometem resolver os problemas sociais através de soluções personalísticas e autoritárias. Sua ascensão política se deu precisamente pela capacidade de canalizar o descontentamento popular em direções que não ameaçam as estruturas fundamentais do capitalismo. Musk, por sua vez, representa a face “progressista” dessa mesma alienação - o tecno-solucionismo que promete resolver os problemas da humanidade através da inovação tecnológica, desviando a atenção das causas estruturais desses problemas. Ambos funcionam como o que Gramsci chamou de "intelectuais orgânicos" da burguesia, moldando o senso comum de maneira a manter a hegemonia das classes dominantes.


O impacto político do conflito no Partido Republicano, gerando "desconforto e hesitação" entre lideranças, revela como essas disputas personalísticas desestabilizam até mesmo as instituições políticas tradicionais. Isso não representa, porém, uma crise do sistema, mas sua evolução natural. Como Marcuse observou, o capitalismo tardio se caracteriza pela capacidade de absorver e neutralizar suas próprias contradições. A aparente instabilidade gerada pela briga entre Trump e Musk na verdade serve para renovar o sistema, criando a ilusão de mudança enquanto mantém inalteradas as relações fundamentais de poder.


A verdadeira tragédia da alienação política contemporânea, exemplificada na saga Trump-Musk, reside no fato de que ela se apresenta como seu oposto. A aparente politização das massas, manifestada na paixão com que defendem ou atacam essas figuras, mascara uma despolitização profunda. Como observou Gramsci em seus estudos sobre hegemonia, o poder não se mantém apenas pela força, mas pela capacidade de fazer com que os dominados aceitem e reproduzam voluntariamente as condições de sua própria dominação. Trump e Musk servem exatamente a esse propósito: criam a ilusão de participação política e de escolha real, enquanto mantêm os cidadãos distantes dos verdadeiros centros de decisão e das questões estruturais que determinam suas condições de vida.

Para romper com esse ciclo de alienação perpetuado por figuras como Trump e Musk, é fundamental recuperar a capacidade de análise crítica e de ação coletiva organizada. Isso significa superar a tentação do espetáculo político personalístico e direcionar nossa atenção e energia para as questões estruturais que efetivamente determinam nossas condições de vida. Significa também compreender que tanto Trump quanto Musk são sintomas, não causas, da crise política contemporânea - e que sua superação requer uma transformação profunda das relações sociais de produção, não a substituição de uma personalidade por outra. Somente assim poderemos sair da condição de espectadores passivos de suas performances políticas e nos tornarmos protagonistas de nossa própria história.



Referências


ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos. Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.


DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.


GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999-2002. 6v.


MARCUSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial: O Homem Unidimensional. Tradução de Giasone Rebuá. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.


MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2004.


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* Joel Elias é jornalista atuante na Amazônia brasileira.

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