Agência FAPESP* –Luciana Constantino | Agência FAPESP – Um grupo de pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Nacionais (Cemaden), da Universidade de Glasgow (Escócia), do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) trabalha em um projeto com o objetivo de realizar um diagnóstico da estrutura de governos municipais brasileiros e de comunidades para enfrentar desastres ambientais. E, a partir daí, coproduzir estratégias de fortalecimento da implementação de ações relacionadas ao tema.
Foto: Lauro Alves/Secom
Intitulado “Capacidades Organizacionais de Preparação para Eventos Extremos (Cope)”, o projeto é financiado pela FAPESP. Inclui etapas como o envolvimento de cientistas de várias áreas da pós-graduação, aplicação de questionários virtuais, novas metodologias para desenvolvimento de sistemas de alerta centrados nas pessoas e pesquisa de campo.
Em uma primeira fase, estarão envolvidas as 184 cidades da bacia do rio Paraíba do Sul, que banha os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Os projetos-piloto serão implementados em três municípios – de pequeno, médio e grande porte, respectivamente, São Luiz do Paraitinga (SP), Cataguases (MG) e Nova Friburgo (RJ). Essas cidades representam a variedade de realidades locais, não só da própria bacia como de outras regiões, permitindo uma análise abrangente e diversificada.
Na segunda etapa, haverá a participação de governos municipais e órgãos de Defesa Civil locais (o cadastro de interessados pode ser feito em https://bit.ly/4dMSYZE).
“Vivemos um cenário em que os eventos climáticos estão cada vez mais extremos e frequentes. Além de infraestruturas e fortalecimento de ações envolvendo as comunidades, é preciso uma ação coordenada de diversos atores para reduzir a vulnerabilidade social, ambiental e institucional. Por isso, nosso projeto tem um forte componente na parte de implementação de políticas públicas, envolvendo esses atores na construção das ações. Entre nossos propósitos, queremos aumentar as capacidades institucionais e comunitárias”, diz à Agência FAPESP o sociólogo Victor Marchezini, pesquisador do Cemaden e responsável pelo Cope.
No maior desastre ambiental da história do Rio Grande do Sul, as inundações em maio devastaram municípios e provocaram a morte de pelo menos 161 pessoas (até o dia 21). Deixaram populações isoladas, milhares de desabrigados, além de destruir infraestruturas, como estradas, pontes e até aeroportos. Algumas cidades terão de ser reconstruídas.
No ano passado, a região do Vale do Taquari, uma das mais atingidas agora, já havia sido afetada por eventos similares, quando um ciclone seguido de enchente provocou mortes, além de perdas estruturais e econômicas. “Percebemos que as afirmações feitas no passado de que eventos climáticos ocorreriam a cada dez ou 15 anos já não correspondem à realidade. Por isso, é importante entender o quanto o agravamento dos casos afeta e eleva os custos, além de fortalecer a cidadania, para que a sociedade saiba como prevenir os danos e reduzir os riscos”, avalia a economista Lucia Calderón Pacheco, pesquisadora do Programa de Capacitação Institucional do Cemaden.
Segundo o Atlas Digital de Desastres no Brasil, plataforma da Defesa Civil Nacional, o Brasil registrou prejuízos de R$ 48,5 bilhões em quase 5.670 ocorrências de alagamentos, enxurradas, inundações, chuvas intensas, tornados, vendavais, ciclones, granizo e movimento de massa entre 2020 e 2024. Foram 34,7 milhões de pessoas afetadas. Somente no Rio Grande do Sul, o prejuízo chegou a R$ 8,41 bilhões, com 5,6 milhões de moradores atingidos.
Na prática
Por meio do Cope, Pacheco publicou no final do ano passado um estudo em que analisou os impactos socioeconômicos dos desastres ambientais ocorridos nos municípios da bacia do rio Paraíba do Sul, entre 2003 e 2022. Concluiu que, das 184 cidades, pelo menos 173 registraram ao menos um desastre no período, sendo que 70% ocorreram em localidades de pequeno porte, com menos de 50 mil habitantes.
“Os municípios pequenos acabam sofrendo mais, já que têm orçamento menor e menos capacidade institucional de enfrentar o problema”, completa a pesquisadora. Isso ficou claro na pesquisa: apesar de 90% dos municípios da bacia informarem ter uma unidade de coordenadoria municipal de defesa civil, o mapeamento de áreas de risco havia sido feito em 64% das cidades (a maioria de grande e médio portes); 48% tinham planos de contingência e somente 22% com sistemas de alerta.
Em 2022, Marchezini havia coordenado o Projeto Elos, que fez um levantamento de informações sobre a estrutura e capacidades das defesas civis municipais, resultando em uma série de publicações. Entre elas está o Diagnóstico Municipal em Proteção e Defesa Civil (leia mais em: agencia.fapesp.br/40768).
A ideia é que parte dos resultados do Elos também contribua com a construção das metodologias que serão desenvolvidas no Cope.
Novos caminhos
Para os diagnósticos no projeto Cope, os pesquisadores têm buscado desenvolver novas metodologias que contribuam com a construção das políticas públicas e com o cumprimento de metas globais de enfrentamento às mudanças climáticas.
Nessa linha, foi publicado recentemente o estudo Evolução da capacidade institucional da RMSP em relação às mudanças climáticas propondo uma nova metodologia para mensurar a capacidade institucional de municípios e regiões metropolitanas de atender ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 13, que se refere à ação contra a mudança global do clima. O método foi aplicado à Região Metropolitana de São Paulo, utilizando dados relativos a meio ambiente e gestão de riscos disponíveis na Pesquisa Nacional de Informações Municipais do IBGE, nas edições de 2013, 2017 e 2020.
O resultado: “Verificamos um processo de degradação das capacidades dos municípios desde 2013. No caso da gestão de riscos de desastres ambientais há um movimento de queda contínua, piorando entre 2013 e 2017 e mais ainda em relação a 2020. A capacidade institucional para as políticas de meio ambiente caiu de 2013 para 2017, mas teve uma melhora discreta para 2020. Percebemos, porém, que a degradação atinge todas as funções ligadas à capacidade organizacional de enfrentamento às mudanças climáticas”, conclui o especialista em políticas públicas Leonardo Rossatto Queiroz, que liderou o trabalho apoiado pela FAPESP.
Para analisar essas funções, foram incluídas quatro dimensões na pesquisa: ações administrativas de apoio (feitas para viabilizar os trabalhos, como compras, provimento de equipamentos e gestão financeira); a parte técnica (prestação de serviço, políticas de monitoramento, gestão do conhecimento); políticas de estrutura e cultura (ligadas à governança e cultura organizacional) e o aporte de recursos que a instituição tem.
“Estamos falando de uma piora em todas as partes de capacidade institucional. Quando isso acontece, a própria política pública fica degradada, ou seja, os municípios não têm capacidade de executar as ações a contento, perdem a estruturação interna para prestar um bom suporte à população e a cultura organizacional fica prejudicada. Sem contar o corte de recursos, que é constante”, completa Queiroz. Agora o grupo pretende adaptar a metodologia para outras regiões, incluindo a bacia do rio Paraíba do Sul.
Para se ter uma ideia do recurso aplicado em nível nacional, por exemplo, os valores destinados à defesa civil não chegam a 1% do orçamento da União – variaram de 0,034% em 2019 a 0,062% em 2022 (com R$ 1,48 bilhão autorizado), segundo artigo assinado por Marchezini e pelos pesquisadores Fernanda Dalla Libera Damacena, Renato Eliseu Costa e Luiz Felipe da Fonseca Pereira na Revista Brasileira de Políticas Públicas.
“Cientistas já falam em aquecimento global acima de 2° C em relação ao período pré-industrial, superando o previsto em 2015 no Acordo de Paris, de 1,5° C. Ante a essa realidade, a questão não é se podem ou não acontecer desastres ambientais de grandes magnitudes, como as chuvas que atingem a região Sul do Brasil. Eles vão acontecer. Então precisamos fortalecer a cidadania e conscientizar as populações para entender a nova realidade e ser parte das ações de gestão de risco. O fortalecimento das capacidades institucionais é fundamental para que as pesquisas não fiquem no papel”, conclui Pacheco.
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