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Sem deixar nenhum brasileiro para trás: os desafios do saneamento básico no país

Foto do escritor: Solano FerreiraSolano Ferreira

Apesar das melhorias e do crescimento desde 1991, a expansão do saneamento básico está abaixo das metas de universalização estabelecidas em 2020 pelo Novo Marco do Saneamento

 

*Por Leonardo Capeleto de Andrade e Maria Cecilia Rosinski Lima Gomes


Mais de 34 milhões de brasileiros e brasileiras ainda não têm acesso à rede de água, quase 5 milhões não têm água encanada, 76 milhões não têm coleta de esgoto e 18 milhões não têm coleta de lixo. Estes dados do Censo de 2022, recém divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), permitem caracterizar as condições de vida da população brasileira, incluindo o chamado acesso ao saneamento básico.

Foto: Carolina Goncalves/Agencia Brasil

saneamento
Em 2022, 63% dos brasileiros tinham acesso a serviços de esgoto; número está aquém das metas do Novo Marco do Saneamento

Em 2022, 83% da população brasileira declarou abastecimento de água pela “Rede geral de distribuição” e 9% por poços profundos – 2,4% não tinha água encanada. E 63% era atendida por algum serviço público que colete e afaste o esgoto domiciliar (rede geral ou pluvial) – valor que era de 44% em 2000 e 53% em 2010. Porém, 1 milhão ainda utilizavam banheiros compartilhados com mais domicílios – e 2,4 milhões utilizavam “sanitários ou buracos para dejeções”, além de um milhão indicando a defecação a céu aberto. Para 90,9% da população havia coleta direta ou indireta de lixo – com o restante queimando (8%), enterrando na propriedade ou jogando em algum local.


Somando casos em que a rede geral de água é ou não é utilizada como fonte principal, alcançaríamos 86,6% da população com rede de água – o que ainda segue abaixo do esperado para o período.


De 2010 a 2022 o abastecimento de água por rede cresceu 5%, passando de 83 para 87% dos domicílios; a rede de esgoto cresceu 10%, passando de 55 para 65% ou de 67 para 77%, somados as fossas; e a coleta de lixo cresceu 4%, passando de 87 para 92%. Apesar das melhorias, e do constante crescimento desde 1991, esta expansão do saneamento básico está abaixo do esperado: a expectativa era que a rede de água alcançasse mais de 90% dos domicílios. Isso está, por exemplo, aquém das metas de universalização do Novo Marco do Saneamento, que preveem o atendimento de 99% com água e 90% com coleta e tratamento de esgotos até o fim de 2033.


Pela tendência linear dos últimos quatro Censos, que representam 30 anos, estas metas para água e esgotos, sem sequer considerar seus tratamentos, seriam alcançadas somente por 2040.


Outro desafio é vencer as desigualdades regionais: enquanto as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste possuem os melhores índices, a região Norte é a que sofre as piores condições de acesso. Na Amazônia, os menores índices de saneamento, somados à crise ambiental de intensas secas e cheias que recentemente quebraram recordes históricos, dificultam o acesso das populações a melhores condições de vida nas áreas urbanas e rurais. Outras desigualdades são as etárias e raciais: pessoas mais jovens e pretas, pardas e indígenas são as que tem menor acesso ao saneamento no Brasil.


O crescimento do acesso ao saneamento básico representa mais a expansão de áreas em municípios já atendidos, do que o surgimento dos serviços em novas localidades. Os milhões de brasileiros ainda sem acesso a estes serviços se concentram principalmente em áreas rurais e/ou distantes dos grandes centros urbanos. Estas populações estão mais suscetíveis a doenças tropicais negligenciadas e de veiculação hídrica – como diarreias, cólera, hepatite A e leptospirose.


Segundo dados da OMS, para cada real investido em água e rede de esgoto sanitário no mundo se economizam quatro em saúde pública. No Brasil, chega a se economizar o dobro desse valor. Ou seja, mais do que apenas uma questão ambiental, o investimento em saneamento básico é uma questão integrada de saúde pública e economia.


Dezessete anos após o “Marco do Saneamento” e 14 após a Política Nacional de Resíduos Sólidos (que prevê o fim dos “lixões” até agosto de 2024), a regulação do setor ainda é considerada inadequada e dificilmente alcançará efetivamente todos municípios brasileiros nos prazos definidos.


Mesmo que não explicitados em nossa Constituição brasileira, o acesso à água e ao saneamento são direitos humanos reconhecidos pela Assembleia Geral da ONU. O alcance destes valores aproximaria, com certo atraso, a adesão brasileira as metas do ODS 6 da Agenda 2030 da ONU – que tem como mote ‘para nosso futuro comum, sem deixar ninguém para trás’. Em análise ampla, nenhum contexto diferente da universalização deve ser considerado adequado.

 

Sobre os autores

Leonardo Capeleto de Andrade e Maria Cecilia Rosinski Lima Gomes são pesquisadores na área de Água e Saneamento do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

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