Sem investimento em fiscalização, lei mais rigorosa contra incêndios pode falhar na prática
- Solano Ferreira
- 9 de jun.
- 3 min de leitura
Por Joel Elias

A Câmara dos Deputados aprovou recentemente um Projeto de Lei que representa um marco no combate aos crimes ambientais no Brasil: o endurecimento das punições para quem provoca incêndios em florestas e áreas de vegetação nativa. A nova legislação prevê penas de reclusão de até seis anos, multas significativamente mais altas e a proibição de contratos com o poder público por cinco anos para os condenados. À primeira vista, as medidas parecem um avanço importante na proteção dos biomas brasileiros, que sofrem anualmente com queimadas criminosas associadas ao desmatamento ilegal, à grilagem de terras e à expansão agropecuária predatória. No entanto, a pergunta que não quer calar é: o aumento isolado das penas será suficiente para frear a destruição ambiental, dado o histórico de falhas na fiscalização e na punição efetiva dos responsáveis, que são questões crônicas no Brasil?
A experiência brasileira em matéria ambiental demonstra que leis mais duras, por si só, não garantem a redução de crimes. O país já possui uma legislação robusta contra danos ao meio ambiente, mas esbarra na falta de estrutura para fiscalização, na morosidade judicial e na dificuldade de identificar autores de queimadas em áreas remotas. Grandes incêndios, como os que atingem anualmente a Amazônia — Rondônia principalmente — e o Pantanal, frequentemente ocorrem em regiões de difícil acesso, onde a presença do Estado é precária. Sem investimentos em monitoramento por satélite em tempo real, equipes de campo treinadas e uma justiça ambiental ágil, muitos criminosos continuarão agindo impunemente.
Além disso, o combate eficaz exige uma atuação integrada entre Ibama, Polícia Federal, governos estaduais e prefeituras, algo que ainda é insuficiente. Nos últimos anos, orçamentos para órgãos ambientais foram reduzidos, e operações de fiscalização perderem força, criando um cenário propício para a ação de grileiros e madeireiros ilegais. Se a nova lei que está se propondo não vier acompanhada de um plano concreto para fortalecer essas instituições, ela corre o risco de se tornar apenas mais uma lei bem-intencionada, mas de pouca efetividade prática.
Um dos pontos positivos do projeto é o reconhecimento da diferença entre incêndios criminosos e o uso controlado do fogo em práticas agrícolas e tradicionais. Populações indígenas e comunidades rurais muitas vezes utilizam queimadas autorizadas como parte de seu manejo sustentável da terra, uma técnica ancestral que ajuda a renovar solos e prevenir grandes incêndios acidentais. A nova lei exclui essas situações de punição, demonstrando sensibilidade à realidade desses grupos. No entanto, será crucial garantir que a distinção seja aplicada com critério, evitando que criminosos se aproveitem de brechas para justificar queimadas ilegais.
O texto também prevê penas mais duras quando os incêndios colocam vidas humanas em risco, atingem unidades de conservação ou ameaçam espécies em extinção. Essa gradação é importante, pois reconhece que o impacto ambiental varia de acordo com a gravidade do crime. Um incêndio que destrói um parque nacional ou mata animais ameaçados causa danos irreversíveis à biodiversidade, enquanto uma queimada próxima a áreas urbanas pode intoxicar milhares de pessoas com a fumaça. O aumento da pena em casos de morte decorrente do fogo também segue essa lógica, alinhando-se ao princípio de que a punição deve ser proporcional ao dano causado.
Embora a repressão seja necessária, não pode-se perder de vista que o combate aos incêndios criminosos exige também políticas de prevenção. Muitas queimadas ilegais estão ligadas a conflitos fundiários, grilagem e falta de oportunidades econômicas sustentáveis em regiões vulneráveis. Programas de educação ambiental, regularização fundiária e incentivos a atividades de baixo impacto, como o manejo florestal comunitário, podem reduzir a pressão sobre as florestas. Além disso, é preciso enfrentar as redes organizadas de crime ambiental, que muitas vezes agem em conluio com madeireiras clandestinas e pecuaristas irregulares.
A aprovação do projeto é, sem dúvida, um avanço na legislação ambiental brasileira. No entanto, seu sucesso dependerá de uma implementação que vá além do texto da lei. Sem investimentos maciços em fiscalização, tecnologia e cooperação institucional, o aumento das penas terá pouco efeito prático. Caso o projeto seja transformado em lei, o desafio agora será transformar a nova legislação em uma ferramenta efetiva de proteção das florestas, garantindo que não seja apenas mais uma promessa vazia em um país marcado pela devastação ambiental e pela impunidade.
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* joel Elias é jornalista atuante na Amazônia brasileira.
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