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Dilema nacional: Porto Velho expõe as feridas do campo brasileiro na Amazônia

  • Foto do escritor: Solano Ferreira
    Solano Ferreira
  • 24 de abr.
  • 3 min de leitura


Por Joel Elias


Porto Velho nos últimos anos deixou de ser apenas a capital de Rondônia. O município é hoje uma síntese viva — e dolorosa — das contradições que atravessam o campo brasileiro, em especial no contexto amazônico. Com uma das maiores extensões territoriais entre os municípios do país e um papel estratégico na expansão da fronteira agrícola, a cidade tornou-se um território de disputa constante, onde o progresso se choca com direitos históricos, e o crescimento econômico, com a vida de quem vive da terra.


O relatório “Conflitos no Campo Brasil 2024”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), confirma o que há décadas é sentido no cotidiano de muitas famílias rurais: Porto Velho está entre os municípios com mais registros de conflitos fundiários do país. A estatística não é fria. Cada número representa ameaças, despejos, violência, perda de território e, em muitos casos, assassinatos. Por trás desses números estão comunidades tradicionais, povos indígenas, ribeirinhos e pequenos agricultores pressionados por um modelo de desenvolvimento que privilegia a posse da terra como ativo econômico, e não como base da dignidade humana.


O avanço da pecuária extensiva, das monoculturas e de grandes obras de infraestrutura tem contribuído para o agravamento desse cenário. A terra, que deveria alimentar e sustentar vidas, tornou-se objeto de especulação e de grilagem — prática ainda disseminada, diante da ausência histórica de regularização fundiária e da atuação tímida do Estado. O vácuo institucional favorece a concentração fundiária e alimenta ciclos de violência no campo, onde o medo substitui a esperança e o conflito substitui o diálogo.


Contudo, há mais do que conflito em Porto Velho. Há também resistência, organização e a construção silenciosa de alternativas. São movimentos sociais, associações de agricultores familiares, lideranças indígenas e coletivos de agroecologia que buscam formas de produzir sem destruir, de ocupar sem excluir, de existir sem temer. Essas experiências, ainda que frágeis frente à força do capital fundiário, são sementes de um futuro possível. Um futuro no qual a terra deixa de ser apenas um bem de troca e volta a ser um bem comum.


É necessário, no entanto, que o poder público assuma seu papel com mais firmeza. Combater a grilagem não pode ser uma promessa genérica, mas uma política concreta, com ações de fiscalização, responsabilização e proteção de territórios vulneráveis. Da mesma forma, a regularização fundiária precisa deixar de ser uma retórica para se tornar um programa contínuo e transparente, que respeite o direito de quem habita e cultiva a terra há gerações.


Outro ponto crucial é o enfrentamento da violência. A impunidade dos crimes contra trabalhadores e lideranças rurais não é apenas um fracasso do sistema de Justiça; é uma mensagem de que vidas no campo valem menos. Romper com esse ciclo exige investigação célere, julgamentos efetivos e punições exemplares. Só assim será possível restaurar a confiança nas instituições e permitir que o campo volte a ser um lugar de vida, e não de morte.


Ao mesmo tempo, é urgente democratizar as decisões que envolvem o uso e a posse da terra. A participação social não pode ser vista como um entrave à produtividade, mas como um direito e um instrumento de equilíbrio. Ouvir as comunidades locais, respeitar os modos de vida tradicionais e considerar os impactos socioambientais de grandes projetos são medidas que apontam para um desenvolvimento menos excludente e mais sustentável.


Porto Velho, assim, revela em suas contradições uma encruzilhada histórica. De um lado, a pressão por crescimento imediato, a expansão de mercados, o avanço do agronegócio. De outro, o clamor por justiça fundiária, a proteção da biodiversidade e o direito à existência de centenas de comunidades invisibilizadas. Ignorar essa dualidade é perpetuar o desequilíbrio que marca a história da Amazônia brasileira. Enfrentá-la, por sua vez, é reconhecer que não há desenvolvimento verdadeiro onde não há equidade, nem paz onde impera o medo.


O que está em jogo, no fundo, é o destino da terra. E, com ele, o destino das vidas que dela dependem. Porto Velho não pode mais ser apenas um território de passagem para o lucro ou de palco para conflitos silenciosos. Precisa tornar-se referência de um novo pacto social e ambiental, em que a terra seja respeitada como território de vida, cultura, produção e pertencimento.


Enquanto esse horizonte não se realiza, a capital de Rondônia continuará sendo um retrato incômodo — porém revelador — das escolhas que o Brasil insiste em adiar.



* Joel Elias é jornalista e músico atuante na Amazônia brasileira.

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