Do plenário à barbárie: O perigoso discurso de quem exalta um passado de sangue
- Solano Ferreira
- 23 de jul.
- 3 min de leitura
Por Joel Elias - DRT/AP 138

É difícil acreditar, mas em pleno Século XXI, os fantasmas mais sombrios da nossa história foram novamente invocados nos corredores do poder em Brasília. Em uma demonstração chocante de desprezo pela democracia, o deputado federal Coronel Chrisóstomo (PL-RO) não apenas defendeu o Golpe Militar de 1964, como também clamou por uma "resposta" das Forças Armadas contra uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A fala, um atentado direto ao Estado Democrático de Direito, ocorreu após o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinar que o ex-presidente Jair Bolsonaro use tornozeleira eletrônica e cumpra outras medidas cautelares.
"Me orgulhava das Forças Armadas em 1964, mesmo sendo menino. Hoje, peço que estejam ao lado do povo e da democracia", declarou o parlamentar. A frase, carregada de uma perigosa distorção, equipara o ato que mergulhou o Brasil em 21 anos de trevas a uma defesa da democracia. É um insulto à memória de todos que sofreram sob esse mesmo regime.
É preciso lembrar, sempre, do que o Coronel Chrisóstomo sente "orgulho". Ele se orgulha de um período em que o Congresso Nacional foi fechado diversas vezes (1966, 1968 e 1977), calando a voz do povo que ele hoje diz defender. Ele se orgulha de um regime que, aponta a Comissão Nacional da Verdade, foi responsável pelo assassinato e desaparecimento de 434 pessoas. Pessoas torturadas de formas inimagináveis, como o pau de arara, choques elétricos e afogamentos. Ele se orgulha das execuções sumárias, como as que ocorreram na Guerrilha do Araguaia, onde opositores foram caçados e, em alguns casos, decapitados, numa brutalidade sem limites.
O estopim para o discurso golpista do deputado foi a decisão do STF que impôs a Jair Bolsonaro o uso de tornozeleira eletrônica, a proibição de contato com outros investigados — incluindo seu filho Eduardo Bolsonaro — e a restrição de acesso a redes sociais. As medidas foram tomadas no âmbito de uma operação da Polícia Federal que investiga a tentativa de golpe de 8 de Janeiro e a suspeita de que o ex-presidente planejava fugir do país para pedir asilo a Donald Trump nos EUA.
A reação de Chrisóstomo não foi um ato isolado de indignação, mas um apelo explícito à insubordinação e à ruptura institucional, evocando o mesmo tipo de retórica que antecedeu o golpe militar de 1964.
Felizmente, a sociedade civil e as instituições reagiram. O deputado agora é alvo de uma denúncia no Ministério Público Federal (MPF), protocolada por Leonardo Carvalho Bastos. A representação pede uma investigação criminal e eleitoral contra o parlamentar rondoniense, acusando-o de atentar contra a ordem democrática. Vídeos e áudios com as falas incendiárias foram anexados ao processo, que pode levar Chrisóstomo a depor no inquérito relatado pelo próprio ministro Alexandre de Moraes.
O episódio é um retrato doloroso do Brasil atual. Enquanto um ex-presidente é monitorado eletronicamente por suspeitas de atentar contra a democracia, um deputado federal usa seu microfone para exaltar a ditadura e incitar as Forças Armadas contra outro poder da República.
Não podemos tratar isso como mera "opinião" ou "liberdade de expressão". É um ataque direto aos pilares que sustentam nossa liberdade. A memória dos mortos, torturados e desaparecidos exige uma resposta firme. A democracia, conquistada com tanto sacrifício, não pode ser ameaçada por delírios autoritários de quem sente orgulho da barbárie. A justiça precisa ser feita, para que um passado sombrio que manchou de sangue a história do Brasil não ouse, nunca mais, se tornar o nosso futuro.
* Joel Elias é jornalista atuante na Amazônia brasileira.
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